quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Jornalismo literário promete decolar no formato digital

Uma tendência se anuncia no mercado editorial, com o acordo fechado essa semana entre a DLD (Distribuidora de Livros Digitais, representa L&PM, Objetiva, Record, Sextante, Rocco, Planeta, Novo Conceito e a canadense Harlequin) e a Amazon e o Google. “Estamos efetivamente à beira do ponto de inflexão do consumo do livro digital no Brasil. Agora ele vai começar a representar uma parcela significativa do mercado”, declarou Roberto Feith, diretor-geral da Objetiva e presidente do conselho da DLD, ao jornal Valor Econômico (SP/ 28.11.2012). E comentou: “(...) a expectativa é de mudanças também no perfil de leitor e, consequentemente, no padrão de consumo, com a ascensão de gêneros como ficção científica e mistério e uma maior oferta de textos como ensaios e grandes reportagens. (...) grandes reportagens sobre temas em destaque no noticiário (...). São textos que precisam de mais espaço do que o disponível em jornais e revistas e de uma publicação mais ágil do que as editoras conseguem. Problemas superados com o livro eletrônico (...). No formato digital, é possível levar esse tipo de obra para o público em um intervalo de algumas semanas ou um mês." 
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Uma oficina sob medida para os novos tempos
Fernando Portela há muitos anos escreve ficção e não ficção (reportagem) quase ao mesmo tempo. Jornalista, foi um dos fundadores do Jornal da Tarde e autor de grandes reportagens da época gloriosa do JT, várias migraram para os livros. Do jornalismo, extraiu inspiração para a ficção e criou inúmeros personagens e histórias carregadas de mistério, delírio, ambigüidade, tragicomédia e realismo. “Eu escrevo a minha vida, que sempre foi muito rica, movimentada, excitante, e não poderia ter havido um curso melhor de humanidades do que conviver com gente, de toda cor e cheiro, de línguas diferentes, e de ter-me misturado com tantos santos, crápulas e pulhas. Enfim, eu escrevo a experiência acumulada”, diz. 

Pois foi a partir desta experiência de mais de 40 anos de campo e imaginação que Fernando Portela criou a sua OFICINA de JORNALISMO LITERÁRIO e REPORTAGEM GERAL. São dois módulos, um de quatro meses, com aulas semanais de duas horas, que pode ser cursado em São Paulo (cidade de residência do escritor/jornalista) e um expresso, de quatro ou cinco dias, que Portela levará, a partir de 2013, a diversas cidades brasileiras. A ascensão do formato digital no Brasil deverá representar um importante canal de revelação de novos escritores/repórteres e, como já se disse em relação às oficinas literárias de ficção, se o talento não se transmite em sala de aula, como um vírus de gripe, o caminho mais curto para aprender a organizar as palavras, no entanto, está nas oficinas de escrita.
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Os mestres
Editor de uma verdadeira legião de repórteres, Portela comenta que sempre disse às suas equipes: “Leiam poesia, de qualquer um e em qualquer língua; e leiam autores como Rubem Fonseca e Nelson Rodrigues para assimilar fluidez de texto”.  O escritor/jornalista inicia sua oficina com a apresentação do conceito de reportagem geral e jornalismo literário (com referências, por exemplo, a Truman Capote e Gay Talese, sem descartar São Matheus, o evangelista, “repórter de texto sofisticado”, e os mestres da antiga revista brasileira Realidade). Depois faz com que os alunos realmente pratiquem esse tipo de jornalismo. “Quando diferencio jornalismo literário de reportagem, estou dizendo que jornalismo literário tem mais a ver com o acabamento, o escrever; mas não adianta escrever bem se não souber colher o material jornalístico necessário”, revela, passando à próxima etapa: as técnicas de reportagem. 

Todos os alunos terão tarefas a executar na rua porque as oficinas não são teóricas, mas extremamente práticas. “Meu terreno é o dia a dia, o erro, a procura, a humildade. Você só escreve bem se passar por todas essas provas. O aluno escreverá rigorosamente o que colheu,  por mais que lhe pareça ‘pobre’. Toda realidade é rica. Eu mesmo escrevi páginas sobre o suposto nada, com muito sucesso, a ponto de virar livro, junto a outras matérias”, afirma, comentando que o aluno aprenderá na vivência de rua e na assimilação de estilos. “Não é possível confundir jornalismo literário com ficção. Grandes escritores brasileiros, por exemplo, nos servem como forma: um leitor de jornal dormiria se algum assunto fosse tratado com o ritmo de boa parte deles. Quer dizer, as frases são curtas, não há a mínima gordura, mas também não há a agilidade necessária à sedução do leitor de coisa rápida, como jornal ou revista.”

Mesmo no módulo da oficina de quatro dias, Portela esclarece que a coleta de material não é prejudicada pelo tempo expresso. “Os alunos viverão cerca de vinte e quatro horas no papel de ‘repórteres’ – um tempo absurdo, de tão longo, para repórteres de verdade, acostumados a colher dados e escrever em poucas horas. A partir das experiências individuais, daremos as noções de coleta de dados, suas dificuldades e limitações”, explica.  Ele analisará o material e as soluções de texto (com ampla discussão sobre técnicas) e levará todos os trabalhos para leitura e exame. No último dia, cada texto será analisado e discutido em classe. “Apesar do tempo curto, iniciarei um trabalho de preparação de repórteres iniciantes, algo que fiz durante boa parte da vida. É importante esclarecer que o candidato pode ter qualquer idade. Repórteres não têm idade”, afirma. Os trabalhos serão devolvidos aos alunos com as sugestões de correções – se necessárias. Fechando a Oficina Expressa, será sugerida a criação de um blog para expor os trabalhos.


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De ficção e de realidade
Fernando Portela é autor de textos que são uma espécie de modelo de jornalismo literário, como a reportagem do translado dos ossos de D. Pedro I ao Brasil, em 1972. “Fiquei em um navio de luxo, o Funchal, durante 12 dias de luto e escrevi literalmente sobre o nada.  Ou melhor, joguei o ‘veneno’ que pude em textos aparentemente fúteis sobre uma viagem ridícula, entre duas ditaduras, que poderia ter sido feita em nove horas de avião”, comenta.
O interesse maior do escritor/jornalista sempre foi o uso das diferenças de linguagem, “das possibilidades de cambiar, de experimentar, de misturá-las, ou de usar atributos de umas para aperfeiçoar pontualmente outras, essas coisas”, diz. Sempre experimentando, procurando inovar, Portela fez reportagens que são contos, sem que, em momento algum, tenha mudado uma frase de um entrevistado para “melhorar” o texto. “O fim do cinema no interior de São Paulo, matéria que escrevi para o JT, é um conto”, comenta. No caso, em Vera Cruz (o repórter escolheu a cidade a dedo). É linguagem literária, construção típica de ficção, e todos os personagens reais. “Claro que meu jeito de ver o mundo dava o tom. Lembro-me que, ao descrever o prédio estropiado do velho cinema ‘morto’, eu usava a expressão ‘cimento-ectoplasma’. Os leitores gostavam muito desse jeito de fazer jornal. Escreviam cartas apoiando, ou o trabalho em si ou o atrevimento de fazê-lo”.

Da reportagem policial, Portela também extraiu muita ficção e em vários contos abordou a violência, até depurar a linguagem. “Os meus primeiros livros, segundo algumas opiniões, eram quase insuportáveis, de tão violentos, pingavam sangue. Ou seja, o narrador estava chocado. Com o tempo, acredito, essa visão foi-se depurando e talvez eu tenha começado a associar criminalidade com o cotidiano do Brasil, a entendê-la como ‘cultura’. O criminoso passou a ter, primeiro, cara, depois, sentimentos. Minhas histórias, hoje, mostram não exatamente uma visão tragicômica da violência, mas uma visão mais humana (que inclui a tragicomédia) de uma sociedade onde a violência se enraizou”. 

Para ler mais:
Jornal Valor Econômico (28.11.2012) Livro digital estimula novos gêneros e outro perfil de leitor
Jornal Zero Hora (30.11.2012) - Chegada de leitores e livrarias digitais esquenta briga de e-books


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