PERFIL


Um equilibrista de fronteiras

Híbrido de escritor e jornalista, Fernando Portela se alimenta em um e no outro. Tem sido assim há muitos anos. Começou a escrever ficção e não ficção (reportagem) quase ao mesmo tempo, por volta dos treze anos de idade, num tempo em que os adolescentes queriam trabalhar o mais cedo possível. O garoto foi apresentado à beleza muito cedo, na cidade de Olinda, onde nasceu, subindo as suas ladeiras, observando o casario colonial, os telhados magníficos e ouvindo o cantochão que, a qualquer hora, invadia as ruas da vila histórica. Na adolescência, já morando no Recife, foi marcado por uma visão oposta, na tragédia dos miseráveis, na fome dos que se arrastavam pelas calçadas das igrejas. Olinda e Recife de sua paixão, beleza e sordidez, contrastes que moldaram tanto o escritor como o jornalista.
Estreou na imprensa como contista e poeta no suplemento literário do Jornal do Commercio, do Recife, no início dos anos 60. Aos 15 anos, entrou numa redação de jornal pela primeira vez, como estagiário do Diário da Noite, do Recife; aos 20 anos, foi redator na sucursal nordestina da então Norton Publicidade.
Seguiu para São Paulo em 1965, e trabalhou para inúmeras publicações nacionais, como a mítica revista Realidade, mas fez carreira no Jornal da Tarde (foto à direita, na máquina de escrever), do Grupo Estado, de que foi um dos fundadores. Ocupou os cargos de repórter, redator, pauteiro, chefe de reportagem, editor geral e repórter especial. E, mais recentemente, diretor de projetos especiais.
Permaneceu no Jornal da Tarde até 1989 e foi o autor de boa parte das grandes reportagens do diário na sua época gloriosa, até que se extinguiu na míngua em 31 de outubro de 2012. A reportagem Guerra de Guerrilhas no Brasil, sobre o movimento guerrilheiro do Araguaia, dobrou a tiragem do jornal durante uma semana, sendo, depois, transformada em livro, um “best-seller” nacional. Há 30 anos nas livrarias: saiu pela Editora Global, São Paulo, em 1979; e pela Editora Terceiro Nome, São Paulo, em 2002 (foto no alto, da sessão de autógrafos no relançamento), continua despertando interesse.
A vida de repórter proporcionou inúmeras aventuras ao “quase suicida” Fernando Portela. Fez guerrilha, viajou pelo desenho das fronteiras do Brasil, pesq5isou memórias do cangaço, caçou tubarão e muito mais. Várias outras reportagens migraram para os livros, como o relato do translado dos ossos de D. Pedro I ao Brasil (1972), publicado no livro Violência e Repressão. “Fiquei em um navio de luxo, o Funchal, durante 12 dias e escrevi literalmente sobre o nada. Ou melhor, joguei todo o meu veneno em textos aparentemente fúteis sobre uma viagem ridícula, entre duas ditaduras, que poderia ter sido feita em nove horas de avião. Relatei o dolce far niente enlutado da luso-brasilidade presente. Quase fui preso, mas valeu”, conta Portela. 
Entre outros trabalhos que viraram livros, estão Fronteiras, Viagem ao Brasil Desconhecido, ao lado do jornalista Cláudio Bojunga; Além do Normal; Drogados da Vida; Lampião, o Cangaceiro e o Outro. Coordenou reportagens históricas do Jornal da Tarde, como “Os guerrilheiros da prosperidade nacional”, sobre o recrudescimento da economia informal no País.

A escrita de ficção
Paralelamente, Fernando Portela escreveu dezenas de livros de ficção, a maioria juvenil, além de literatura para adultos e um único infantil, O Gordo Feliz. Lançou, na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, o romance Amei de Paixão, em 1999. Em 2003, lançou o livro de contos Allegro, em São Paulo, capital. Em 2007, escolhido pelo PAC da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, lançou O Homem dentro de um Cão, segundo volume de uma trilogia iniciada com o Allegro. O Homem... foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti, na sua categoria. Em 2008, fechou a trilogia com o livro Memórias Embriagadas.
A sensibilidade dos relatos, a curiosidade pela alma humana, que imprimiram marca no jornalismo de Fernando Portela, aparece ampliada na sua escrita de ficção. Na apresentação de Allegro, Humberto Werneck define: “Por vezes não são histórias, no sentido de algo com princípio, meio e fim, e sim recortes de vida feitos com preciso bisturi de artista. Uma cena, um flagrante, uma situação que uma luz iluminasse por breve instante, a conta de deixar ver, antes de apagar-se. Muitos contos parecem delírios, assim como delirantes soam vários nomes de personagens. Na mão de Portela, no entanto, o que poderia ser inverossímil bizarria soa como normalidade. Matéria desentranhada da realidade, o que ele escreve é bizarro e é normal. Como em Nelson Rodrigues, inútil tentar distinguir uma coisa da outra. Inútil tentar ver fronteiras claras entre, por exemplo, malignidade e compaixão. Mais vale entregar-se, deixar-se levar pela imprevisível imaginação do autor”.
Portela explica em uma entrevista para a Universidade Federal de Minas Gerais, sobre jornalismo e literatura: “Eu escrevo a minha vida, que sempre foi muito rica, movimentada, excitante, e não poderia ter havido um curso melhor de humanidades do que conviver com gente, de toda cor e cheiro, de línguas diferentes, e de ter-me misturado com tantos santos, crápulas e pulhas. Enfim, eu escrevo a experiência acumulada”. Nessa entrevista, respondeu também sobre a sua abordagem da violência de forma tragicômica e a sua visão da criminalidade atual:  “Os meus primeiros livros, segundo algumas opiniões, eram quase insuportáveis, de tão violentos, pingavam sangue. Ou seja, o narrador estava chocado. 
Com o tempo, acredito, essa visão foi-se depurando e talvez eu tenha começado a associar criminalidade com o cotidiano do Brasil, a entendê-la como ‘cultura’. O criminoso passou a ter, primeiro, cara, depois, sentimentos. Minhas histórias, hoje, mostram não exatamente uma visão tragicômica da violência, mas uma visão mais humana (que inclui a tragicomédia) de uma sociedade onde a violência se enraizou”. 
Sempre escrevendo, Portela lançou recentemente, em junho de 2012, novo livro de contos, no formato eBook, A Velha Chama e a Negra Solidão.
O trabalho de Fernando Portela, entre outros profissionais do antigo Jornal da Tarde, tem sido estudado em cursos de jornalismo pelo País; seu nome costuma ser associado ao tratamento do texto (o chamado new journalism) e à reportagem especial. Em 2013, o escritor começará a ministrar oficinas com esse foco: Oficina de Jornalismo Literário e Reportagem Geral. Serão dois módulos, um de quatro meses, com aulas semanais de duas horas, e um expresso, de quatro ou cinco dias, para levar a diversas cidades brasileiras.

Produção vertiginosa
 Fernando Portela também trabalhou como responsável pela imagem corporativa da Fiat do Brasil, representante do holding italiano no País. Dirigiu a comunicação do grupo, de 1989 a 1998.


Em abril de 1998, recebeu convite para voltar ao Jornal da Tarde, como diretor de projetos especiais, com a missão de criar produtos diferenciados para o JT. Na mesma época, o jornalista assumiu uma das diretorias do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, onde se encontra até hoje (na extrema direita da foto acima, com a diretoria do Conar).
Criou, ao lado do então diretor da OESP, Ruy Mesquita Filho, um núcleo de produção de livros voltados à cultura, em especial à recuperação histórica de documentos. Esse núcleo lançou, em 2002, a coleção de quatro volumes A Guerra, de Julio Mesquita, sobre a Primeira Guerra Mundial; São Paulo de Piratininga e São Paulo – 1860 a 1960 – A Paisagem Humana, resgatando imagens da cidade desde meados do século 19, entre outras obras. Fernando Portela também escreveu o texto de “A Paisagem Humana”.
Junto com Ruy Mesquita Filho, Fernando Portela começou a editar, em 2006, a Coleção Repórter Especial, de livros jornalísticos sobre temas do dia a dia. Hoje, a coleção conta com 34 títulos. Os editores lançam, em 2012, uma outra coleção jornalístico-didática: Kit Mundo Sustentável, sobre os problemas ligados à sustentabilidade no Planeta, com destaque para o Brasil.
E também um texto jornalístico sobre temas polêmicos da História do Brasil. Neste trabalho, sobre controvérsias da nossa história, lançado em eBook em 2012, História do Brasil: Verdades e Mentiras, o autor chegou ao seu 46º livro, entre ficção e jornalismo. Parte dessa extensa produção foi compartilhada com outros autores, como a coleção Viagem pela Geografia, da Editora Ática, que já vendeu mais de um milhão de livros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário